DNA

DNA

quinta-feira, 10 de maio de 2012

CROMOSSOMO 2 - Lyndon Johnson Batista de Souza*


        Os chimpanzés, gorilas e orangotangos possuem 24 pares de cromossomos enquanto nós humanos temos apenas 23, ou seja, entre os primatas, nós somos a exceção. As evidências citogenéticas apoiam a ideia de que dois cromossomos de macaco se uniram em nós. O cromossomo 2, o segundo maior cromossomo humano, é de fato formado pela fusão telomérica dos cromossomos acrocêntricos 2A e 2B do chimpanzé como revela o padrão de faixas claras e escuras do bandeamento G dos respectivos cromossomos.1
Análises genéticas confirmam a hipótese de fusão, mostrando que no meio do nosso cromossomo 2 há regiões de DNA que correspondem aos centrômeros e aos telômeros dos cromossomos do chimpanzé.2
        Sem contar a fusão do cromossomo 2, diferenças visíveis entre cromossomos de chimpanzés e humanos são poucas e minúsculas. Em 13 cromossomos não há diferenças visíveis de qualquer tipo.3Se você selecionar qualquer “parágrafo” aleatoriamente no genoma do chimpanzé e compará-lo com um “parágrafo” correspondente no genoma humano, descobrirá que muito poucas “letras” são diferentes: em média, menos de duas em cem. Somos, com uma aproximação de 98%, chimpanzés, e eles são, com uma margem de segurança de 98%, seres humanos.4 
          Como pode ser? As diferenças entre mim e um chimpanzé são imensas. Ele é peludo, tem uma cabeça de formato diferente, um corpo de formato diferente, membros diferentes, produz sons diferentes. Nada nos chimpanzés parece ser 98% parecido comigo. Ah, é mesmo? Comparado com o quê? 
        Se você pegasse dois camundongos de massa de modelar e tentasse transformar um deles em um chimpanzé e o outro em um ser humano, quase todas as mudanças que você teria de fazer seriam as mesmas. Se você pegasse duas amebas de massa de modelar e transformasse uma em um chimpanzé e a outra em um ser humano, quase todas as modificações que você teria fazer seriam as mesmas. Ambos precisariam de 32 dentes, cinco dedos, dois olhos, quatro membros e um fígado. Ambos precisariam de pelos, pele seca, uma coluna vertebral e três pequenos ossículos no ouvido médio. Não há nenhum osso no corpo de um chimpanzé que eu não tenha também. Não há nenhuma substância química conhecida no cérebro do chimpanzé que não possa ser encontrada no cérebro humano. Não há nenhuma parte conhecida do sistema imunológico, do sistema digestivo, do sistema vascular, do sistema linfático ou do sistema nervoso que nós tenhamos e o chimpanzé não, ou o contrário.4
       Isso me faz imaginar que em algum lugar no passado, um pequeno grupo de indivíduos do “elo perdido” – ancestrais que temos em comum com os chimpanzés – ficaram isolados em uma “ilha”, praticando endogamia e a mercê dos efeitos da deriva genética, compartilharam uma grande mutação: dois de seus cromossomos se fundiram. Daí em diante, eles podiam procriar somente com sua própria espécie, mesmo depois que a “ilha” ligou-se novamente ao “continente”, pois os híbridos entre eles e seus primos continentais eram estéreis. De lá para cá podemos ficar dando voltas em torno de justificativas reconfortantes, provando como viemos a ser o que somos. O fato é que em torno de 2% do genoma reside a história da diferença entre a nossa evolução social e ecológica e a dos chimpanzés, e da deles para a nossa. Tais informações têm consequências importantes, afinal convivemos com uma série de verdades biológicas desagradáveis, sendo que a morte é a mais inegável delas. 
Nós humanos, possuímos mecanismos sofisticados de regulação gênica para produzir os diversos padrões de expressão gênica. Em outras palavras, a complexidade do organismo não está correlacionada com o número de genes, mas depende do número de padrões de expressão gênica. Considere o seguinte argumento.
         O verme nematódeo Caenorhabditi elegans, tem aproximadamente 20.000 genes, enquanto a mosca-das-frutas, Drosophila melanogaster, tem significativamente menos genes, menos de 14.000. Apesar disso, as moscas-das-frutas exibem uma variedade de morfologias e de comportamentos bem mais sofisticada do que a observada nos vermes. Essa complexidade aumentada poderia resultar de um aumento no número de padrões de expressão gênica. Por exemplo, um gene médio da mosca poderia ser regulado por três ou quatro reforçadores diferentes que, juntos, produzem um total de cerca de 50.000 padrões de expressão gênica. Em contraste, cada gene do verme, provavelmente é regulado por apenas um ou dois reforçadores. Em consequência, o verme poderia ser formado por um total aproximado de 30.000 padrões de expressão gênica – significativamente menor do que o número de padrões produzidos nas moscas, ainda que o verme tenha mais genes.5 
           As diferenças entre seres humanos e chimpanzés são diferenças genéticas, e praticamente nada mais. As diferenças genéticas que nos tornam humanos, no entanto, se encontram nas regiões reguladoras que controlam quando, onde e em que quantidade cada proteína é produzida. Acrescente-se o fato de que existem 7 regiões no genoma humano que parecem ter sido “turbinadas” pela seleção natural ou seja, elas passaram inteiras através das gerações por conferirem alguma vantagem a seus portadores. Em uma dessas regiões, reside o gene FoxP2, que está fortemente associado à linguagem.
Se é difícil imaginar como pequenas diferenças nas instruções lineares digitais podem ser responsáveis pelos 2% de diferença entre um corpo humano e um corpo de chimpanzé, que enorme dificuldade é imaginar que umas poucas mudanças nas mesmas instruções podem alterar também o comportamento. Como pode um punhado de genes tornar um animal polígamo ou monógamo? Resposta: não tenho a menor ideia, mas que pode fazê-lo não tenho a menor dúvida. Os genes são receitas tanto para anatomia como para o comportamento.

REFERÊNCIAS


1 GUERRA, M. S. Introdução à citogenética geral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
2 HILLIER, L.W. et al. Generation and annotation of the DNA sequences of human chromosomes 2 and 4. Nature, vol.434, p.724-31, 2005.
3 WATSON, J.D. & BERRY, A., - DNA - O Segredo da Vida, 1.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
4 RIDLEY, M. Genoma: a autobiografia de uma espécie em 23 capítulos. Rio de Janeiro: Record, 2001.
5 WATSON, J.D. et al. Biologia molecular do gene. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
6 FREEMAN, S. & HERRON, J.C. Análise evolutiva. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.



*Biólogo, especialista em Genética & Evolução pela UFPI.