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terça-feira, 10 de abril de 2012

Tolerância ao Frio em Plantas - Lyndon Johnson Batista de Souza*

O maracujá (Passiflora edulis) é intolerante à geadas

As plantas tropicais (milho, feijão, batata-doce e algodão) e subtropicais (maracujá e pepino) são tipicamente suscetíveis ao dano por resfriamento. Quando tais plantas estão se desenvolvendo a temperaturas entre 25 e 35ºC e são resfriadas a 10 até 15ºC o crescimento fica mais lento, ocorre inibição da fotossíntese e da respiração, surgem danos às membranas celulares, descoloração e lesões nas folhas e a folhagem dá impressão de estar encharcada. Se as raízes sofrerem resfriamento, a planta pode murchar.  
Mas por que as membranas são afetadas pelo resfriamento? As membranas vegetais consistem de uma bicamada lipídica entremeada com proteínas e esteróis. As propriedades físicas dos lipídeos têm grande influências sobre as atividades das proteínas integrais da membrana que formam importantes canais de transporte dos quais depende o metabolismo. Em plantas sensíveis ao resfriamento, os lipídeos na bicamada têm uma percentagem alta de cadeias de ácidos graxos saturados e as membranas com essa composição tendem a se solidificar em um estado semicristalino a uma temperatura bem superior a zero ºC. Essa situação torna as membranas celulares menos fluidas e com isso seus componentes proteicos entram em pane. O resultado é a inibição do transporte de soluto para dentro e para fora da célula e a consequente redução da atividade enzimática.
As células das plantas resistentes ao resfriamento além de terem uma grande quantidade de ácido graxo insaturado são também dotadas de uma enzima chamada de dessaturase, que como o próprio nome indica, promove o aumento da instauração dos lipídeos. Essa modificação diminui a temperatura à qual os lipídeos da membrana começam uma gradual mudança de fase de fluido para semicristalino e permite às membranas permanecerem fluidas sob temperaturas mais baixas. Desse modo, a instauração de ácidos graxos fornece proteção contra os danos causado pelo resfriamento.
Se o processo de resfriamento fosse rápido, os cristais de gelo formados seriam bastantes pequenos para causarem danos, porém sob condições naturais, o esfriamento é lento e promove o crescimento de cristais de gelo extracelulares provocando um movimento de água líquida do protoplasto para o meio externo, causando desidratação excessiva. Durante o congelamento rápido, o protoplasto, incluindo o vacúolo, refrigera, ou seja, a água celular permanece líquida, mesmo sob temperaturas vários graus abaixo do ponto teórico de congelamento. Muitas centenas de moléculas são necessárias para começar a se formar um cristal de gelo. O processo pelo qual essa quantidade de moléculas de água começam a formar um cristal de gelo estável é denominado nucleação de gelo e ele depende muito das propriedades das superfícies envolvidas. Alguns polissacarídeos e polipeptídeos facilitam a formação de cristal de gelo e são chamados de nucleadores de gelo. Em células vegetais, os cristais de gelo começam a crescer a partir de nucleadores de gelo endógenos; os cristais de gelo intracelulares resultantes, relativamente grandes, provocam dano excessivo à célula e são letais.
         Para dificultar o crescimento de cristais de gelo, os vegetais são dotados de proteínas anticongelamento (endoquitinases & endoglucanases – que também conferem proteção contra patógenos) que atuam por meio de um mecanismo não coligativo, isto é, um efeito que não depende do abaixamento do ponto de congelamento da água pela presença de solutos. Tais proteínas são induzidas por temperaturas baixas, as quais se ligam às superfícies de cristais de gelo, a fim de evitar ou retardar o seu crescimento. Essas proteínas localizam-se nas células epidérmicas e em células que delimitam os espaços intercelulares, onde elas podem inibir o crescimento de gelo extracelular. As proteínas anticongelamento conferem às soluções aquosas a propriedade de histeresse térmica (a transição do líquido para o sólido é promovida a uma temperatura mais baixa do que a transição do sólido para o líquido). Os vegetais e os animais podem utilizar mecanismos similares para limitar cristais de gelo; um gene induzível pelo frio, identificado na planta Arabidopsis thaliana, tem DNA homólogo a um gene que codifica a proteína de anticongelamento em peixes.

Temperatura das células do parênquima de um pepino (Cucumis sativus) durante o congelamento. (A-B) superesfriamento; (B-C) liberação de calor durante o congelamento nas paredes celulares e espaços intercelulares; (C-D) novo superesfriamento; (D-E) pequenos picos de calor liberados durante o congelamento intracelular de protoplastos individuais. (Segundo Lincoln Taiz & Eduardo Zeiger – Fisiologia Vegetal. 3ed. Porto Alegre, 2004. ARTMED)

Os mecanismos que conferem a resistência ao congelamento em plantas lenhosas envolvem o superesfriamento e a desidratação. A formação de gelo dentro de espaços intercelulares das células que são sensíveis ao congelamento não é letal, mas a exposição prolongada a baixas temperaturas faz com que a água se mova do meio intracelular passando pela membrana em direção à parede celular, fazendo com que tais cristais de gelo cresçam dentro desses espaços. Esta desidratação lenta eleva a concentração de solutos dentro do protoplasto alterando o ponto de congelamento. À medida que a temperatura continua a cair, uma segunda fase de liberação do calor de fusão da água é detectável (pontos a partir de D a E na figura acima). Esta fase reflete uma série de pequenos eventos de congelamento: Cada "pico" de liberação de calor representa o congelamento de protoplastos de células e que coincide com a perda de viabilidade. A formação de cristais de gelo sobre as paredes das células ou no protoplasma requer a presença de pontos de nucleação de gelo em que os cristais podem ser iniciados e crescer. 
       Alguns açúcares também possuem efeitos crioprotetores, pois ajudam a estabilizar proteínas e membranas durante a desidratação induzida pelas baixas temperaturas. No trigo de inverno, quanto maior a concentração de sacarose, tanto maior também a tolerância ao congelamento. A sacarose predomina entre os açúcares solúveis associados com a tolerância ao congelamento, que funcionam de uma maneira coligativa, mas, em algumas espécies, a rafinose, os frutanos, o sorbitol ou o manitol cumprem a mesma função. Durante a aclimatação ao frio de cereais de inverno, os açúcares solúveis acumulam-se nas paredes celulares, onde podem restringir o crescimento de gelo.
Vale ressaltar que algumas bactérias tais como Pseudomonas syringae e Erwinia herbícola, que naturalmente habitam a superfície foliar, agem como nucleadores de gelo potencializando a formação de cristais sobre a superfície das folhas aumentando os danos da geada.
O mecanismo da síntese proteica também é indispensável para o desenvolvimento da tolerância ao congelamento e várias proteínas diferentes se acumulam durante a aclimatação ao frio, como resultado de mudanças na expressão gênica. Foi revelado que o ácido abscísico (ABA) tem um papel importante na indução desse mecanismo. Muitas plantas tolerantes ao frio quando submetidas a baixas temperaturas e escassez de água, aumentam sua tolerância ao congelamento elevando as concentrações do ABA endógeno nas folhas. O ABA parece induzir na expressão gênica e consequentemente na maquinaria da síntese proteica. 
          O estresse pelo frio reduz a atividade hídrica e leva ao estresse osmótico dentro das células. Esse efeito do estresse osmótico provoca a ativação de rotas de sinalização relacionadas a ele e a acumulação de proteínas envolvidas na aclimatação ao frio. Outros genes específicos do frio, não relacionados ao estresse osmótico, são também ativados. As plantas transgênicas com superexpressão de componentes de sinalização ativados pelo estresse pelo frio demonstram aumento de tolerância ao frio. A tolerância ao frio em plantas revela como diferentes tipos de mudanças ambientais demandam diferentes adaptações dos indivíduos.


REFERÊNCIA


1 TAIZ, L. & ZEIGER, E.Fisiologia Vegetal, 3.ed. Porto Alegre: ARTMED, 2004.


*Biólogo, especialista em Genética & Evolução pela UFPI.