DNA

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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

GENES EM DEMES - Lyndon Johnson Batista de Souza*

Uma população com três demes

Poucos são os indivíduos que vivem isolados na natureza. Eles tendem a se agregar e, assim em grupos, adquirem propriedades numa dimensão de espaço e tempo. A razão deste fato é muito simples, pois os organismos adaptam-se a um conjunto particular de condições ambientais, e aqueles com adaptação semelhante têm uma possibilidade maior de se agruparem dentro de um mesmo ambiente. O termo população refere-se a um grupo de indivíduos, da mesma espécie, que se interacasalam e que por isso têm propriedades tanto em termos de espaço como de tempo. A população mantém uma continuidade no tempo porque, na sua existência, as sucessivas gerações são interligadas por elos de reprodução. Possui também uma unidade no espaço devido ao interacasalamento dos indivíduos que a compõem. Uma população pode aumentar ou diminuir de tamanho devido à imigração ou emigração de indivíduos ou por alteração na taxa de nascimentos ou mortes. Pode também fundir-se com outras populações ou extinguir-se, como consequência de um total desaparecimento ou de uma emigração de todos os seus membros.1
O aspecto mais importante, contido nesta descrição de população, é a troca de genes que ocorre entre os seus membros. Aliás, muitos dos princípios básicos da genética de populações foram estabelecidos quando estes agrupamentos foram considerados populações de genes, ao invés de populações de indivíduos, simplesmente. Sob este aspecto, toda a informação genética contida num grupo de indivíduos que se interacasalam constitui, globalmente, o que se denomina reservatório gênico ou pool gênico. Tal conjunto dispersa-se transitoriamente pelos indivíduos e se mantém coeso num grupo determinado de genótipos. Os zigotos (genótipos) que dão origem aos indivíduos de uma dada geração são o resultado da união de gametas produzidos pela geração anterior. Por meio da meiose, os alelos são separados, misturados e depois reagrupados nos gametas. Estes últimos combinam-se na fertilização para formar um novo conjunto de genótipos. O conjunto gênico, portanto é reconstituído em cada geração.1
O conceito de pool gênico pode ser entendido mais adequadamente quando se consideram pequenos grupos populacionais semi-isolados, nas quais os indivíduos se interacasalam de modo a se aproximarem da panmixia, isto é, em que os casais constituem uma associação aleatória de genótipos. Tais populações são chamadas de demes.1
Membros de uma espécie são raramente distribuídos de forma homogênea no espaço: existe quase sempre algum tipo de agrupamento ou agregação, ou formação de cardume, bando, manada ou colônia. A subdivisão da população é frequentemente causada por heterogeneidade (patchiness) ambiental, áreas de hábitat favorável misturadas com áreas desfavoráveis. Essa heterogeneidade ambiental é óbvia no caso, por exemplo, de organismos terrestres em ilhas ou em um arquipélago, mas ela é uma característica comum na maioria dos hábitats – lagos de água doce possuem áreas rasas e profundas, prados possuem úmidas e secas, florestas possuem áreas ensolaradas e encobertas. A subdivisão da população pode também ser causada por comportamento social, como nos lobos quando formam matilhas. Mesmo a população humana é agrupada ou agregada – em cidades, longe de desertos e montanhas. As barreiras geográficas são importantes, porque os membros da maioria das espécies, incluindo humanos, provavelmente escolhem o seu parceiro na área na qual eles vivem.2
As unidades de cruzamentos locais de populações grandes e geograficamente estruturadas são de algum interesse, porque é dentro dessas unidades locais que a evolução adaptativa acontece por meio de mudanças sistemáticas na frequência de alelos. Essas unidades de cruzamento local (demes) são fundamentais para a genética das populações por serem as unidades evolutivas reais de uma espécie.2
Eletroforese de isoenzimas para detectar polimorfismo
Em muitos locos, as frequências alélicas diferem, de uma população para a outra, de modo que a variação que surge dentro das populações se transforma em variação entre populações. Isso tem sido evidenciado há muito com o estudo da variação morfológica, mas a eletroforese de enzimas forneceu uma ferramenta poderosa para estimar o grau no qual as populações realmente divergem nas frequências alélicas. Quando as frequências alélicas são determinadas para alguns destes locos individualmente, a similaridade ou diferença genética (chamada algumas vezes de Distância Genética) entre pares de populações pode ser expressa por vários índices. Citando apenas um exemplo, Schaal e Smith (1980) determinaram a frequência de alelos para 13 locos enzimáticos em cinco populações de uma erva leguminosa, o trevo Desmodium nudiflorum, em Ohio e Michigan. Seis dos locos eram polimórficos em pelo menos uma população; para um destes locos, o mesmo alelo era mais comum ou fixado em todas as populações. No loco que exibia a maior variação geográfica na frequência de alelos, o alelo mais comum variava, em frequência, de p = 0,54 a p = 1,00. A distância genética entre populações variava de 0,0011 a 0,0232. Ao todo, 53% da diversidade genética exibida era intrapopulacional e 47% interpopulacional.3
          Como estimar o tamanho efetivo de uma população subdividida? Vamos considerar o modelo matemático no qual uma população está subdividida em D subpopulações (demes), cada qual consistindo em N indivíduos diploides, com migração entre os demes medida por uma quantidade m igual à probabilidade de que um alelo escolhido ao acaso em um deme qualquer tenha se originado em um dos D -1demes restantes. A subdivisão populacional cria uma situação na qual dois níveis de deriva genética atuam simultaneamente. Existe um processo de deriva em cada deme, o qual ocorre com relativa rapidez, e outro processo de deriva na população como um todo, o qual ocorre mais lentamente. Uma vez que a matemática é um tanto áspera a partir desse ponto (Wakeley, 1999, 2000), apresento apenas o resultado principal, que mostra que, quando D é razoavelmente grande, o tamanho efetivo da população (Ne) como um todo é dado por
Cálculo do tamanho efetivo de uma população

Uma característica interessante e importante desse modelo é que, a menos que 4Nm seja muito grande, o tamanho populacional efetivo (Ne) é maior que o tamanho real (ND). Esse resultado aparentemente paradoxal se origina pela subdivisão populacional. Quando existem muitos demes conectados por baixas taxas de migração, então, mesmo se soubéssemos qual alelo em algum dos demes estaria destinado a ser o ancestral de todos os outros alelos na população inteira em algum tempo futuro, o processo pelo qual esse alelo “sortudo” se espalha por entre os demes demoraria muito tempo. Colocando de outra forma, quando uma população está subdividida, pode levar muito tempo para que dois alelos quaisquer presentes em demes diferentes possam traçar seus caminhos até um ancestral comum presente em algum deme específico na população ancestral.2
                                                       
REFERÊNCIAS


1 METTLER, L. E. & GREGG, T. G. Genética de Populações e Evolução. São Paulo: Polígono, 1973.
2 HARTL, D. L. & CLARCK A. G. Princípios de Genética de Populações. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
3 FUTUYMA, D. J. Biologia Evolutiva. 2.ed. Ribeirão Preto: FUNPEC, 2002.


*Biólogo, especialista em Genética & Evolução pela UFPI.