A forquilha de replicação do DNA com suas fitas antiparalelas |
A
ELEGÂNCIA DA MOLÉCULA
Quando Watson e Crick em 1953 revelaram
ao mundo a estrutura da molécula de DNA, a característica que mais chamou a
atenção foi a relação de complementaridade entre as bases nitrogenadas que
integravam as duas cadeias. Foi justamente essa elegância complementar que
convenceu muitos pesquisadores a aceitarem a conclusão de Oswald T. Avery de
que o DNA, e não alguma forma de proteína, era o responsável pela informação
genética. Com o famoso experimento de Meselson e Stahl (isótopos 15N
e 14N) ficou comprovado que o DNA sozinho poderia atuar como molde
para a síntese de novas fitas de DNA através de uma replicação
semiconservativa, ou seja, cada uma das duas fitas da molécula de DNA parental
serviria como um molde para a formação de uma fita filha complementar. O DNA é
uma longa molécula que integra os cromossomos e que necessita de sítios de
origem para abrir as forquilhas de replicação. Velocidade, precisão e
perfeição, são as exigências de uma sincronizada replicação que para isso conta
com um kit de proteínas especiais e o
RNA.
OS
INGREDIENTES NECESSÁRIOS
Para
que uma molécula de DNA possa de replicar se faz necessário os seguintes
ingredientes:
a) DNA Parental:
Atua como molde de orientação para a síntese das novas fitas.
b)Desoxirribonucleotídeos Trifosfatados: dGTP, dCTP, dATP e dTTP são os quatro desoxirribonucleotídeos trifosfatados, precursores ricos em energia que integram os blocos que compõe o DNA.
b)Desoxirribonucleotídeos Trifosfatados: dGTP, dCTP, dATP e dTTP são os quatro desoxirribonucleotídeos trifosfatados, precursores ricos em energia que integram os blocos que compõe o DNA.
c) Ponto de Origem (Replicons):
É um sítio específico onde o DNA é desenrolado e a replicação tem início. Como
em procariontes só existe uma origem para a replicação, o cromossomo inteiro é
um único replicon. Em eucariontes são várias origens para a replicação e por
isso cada cromossomo possui vários replicons levando a abertura de várias
“bolhas de replicação”. O replicon possui dois componentes básicos: um
replicador (sequencia específica linear de nucleotídeos do DNA) e uma proteína
iniciadora (liga-se à sequência específica do DNA no replicador promovendo a
abertura inicial do DNA), logo em seguida, o replicador recruta a DNA-Helicase
para dar continuidade ao processo da replicação.
d) Primer (Iniciador): Trata-se de um
pequeno segmento de RNA complementar ao molde a fim de expor o grupo 3’-OH para
que os novos nucleotídeos possam ser adicionados por meio da ligação
fosfodiéster.
e) Energia: É fundamental em dois momentos: (1)
Durante a abertura da forquilha de replicação pela enzima DNA-helicase, fato
que necessita da hidrólise de ATP; (2) Para a realização da ligação fosfodiéster
e a incorporação de novos nucleotídeos, fato que necessita da hidrólise do
pirofosfato pela enzima pirofosfatase fornecendo energia livre para que uma
nova ligação possa ocorrer ou da hidrólise do ATP por parte da DNA-ligase nos
pontos de soldadura.
f) Proteínas Acessórias: Dão suporte ao
sucesso da replicação, são elas: proteínas grampos deslizantes (aumentam a
eficiência da replicação) e as proteínas SSB (evitam com que as fitas que já
estão separadas na forquilha de replicação voltem a se emparelharem).
g) Enzimas: Existem várias enzimas que atuam na
replicação do DNA, vamos a elas:
I –
DNA-Helicase
Enzima
que catalisa a separação das duas fitas do dúplex de DNA por meio da hidrólise
de ATP. Tal enzima é uma proteína hexamérica em forma de “anel” que circunda
uma das fitas do DNA e avança rompendo as pontes de hidrogênio. Independentemente
de qual fita a DNA-Helicase esteja acoplada ela sempre se desloca em uma
direção definida (polaridade).
Topoisomerase removendo supertorção |
II –
Topoisomerase
É
a enzima que alivia a supertorção do DNA à medida que a helicase avança. Quando
o DNA vai abrindo a forquilha de replicação, o trecho a sua frente que ainda
está fechado, fica supercontorcido. Para amenizar essa tensão, a enzima
topoisomerase quebra e restaura uma das fitas à frente, a cada 10 pares de
bases que foram abertos atrás, com isso, a supertorção é reduzida na forquilha
de replicação.
III – Primase
É
uma RNA-polimerase especializada em sintetizar pequenos trechos iniciadores de
RNA (primer) sobre um molde de DNA. Em eucariontes essa enzima é acoplada a uma
Pol α formando um complexo proteico chamado Pol α/primase. O primer deixa
exposto uma extremidade 3’-OH livre para que a DNA-polimerase possa catalisar a
replicação. Enquanto a fitar líder (contínua) necessita apenas de um primer, a
fita tardia (descontínua) requer um novo primer para cada Fragmento de Okasaki
adicionado.
IV – RNAse-H
Por
meio de um mecanismo de reparo a enzima RNAse reconhece no duplex os trechos
híbridos de DNA/RNA (por isso o “H” do nome) e remove os primers que estavam
acoplados no duplex, exceto o último ribonucleotídeo diretamente ligado à
extremidade do DNA. Isso ocorre porque a RNAse pode apenas clivar a ligação
entre dois ribonucleotídeos. O ribonucleotídeo final é removido por uma
exonuclease que degrada RNA ou DNA a partir de sua extremidade 5’. As lacunas
deixadas no DNA após a ação da RNAse são preenchidas pela DNA-poli através do
pareamento de cada nucleotídeo, deixando uma molécula de DNA quase completa
(ainda resta soldar a extremidade 3’-OH com a 5’-fosfato da fita reparada).
V –
DNA-ligase
Por
meio da hidrólise do ATP essa enzima forma uma ligação fosfodiéster entre
5’-fosfato e uma 3’-OH adjacentes.
VI – DNA-Polimerases
Em procariontes existem cinco tipos diferentes de DNA-Polimerase:
*
Síntese Transleção (TLS) é um mecanismo que permite a maquinaria de replicação
desviar dos trechos que contenham lesões.
As células eucarióticas também possuem
múltiplas DNA-Polimerases (pelo menos 15!) onde a maioria está envolvida no
reparo do DNA. Destas, três são essenciais na duplicação do genoma: Pol α/primase
(realiza a síntese de um primer dando início a uma nova fita), Pol δ (realiza a
replicação do DNA e o reparo por excisão de bases) e a Pol ε (realiza a
replicação do DNA e o reparo por excisão de nucleotídeos).
Ao contrário da maioria das enzimas que possuem um sítio ativo dedicado a uma única reação, a DNA-Polimerase utiliza um único sítio ativo para catalisar a adição de qualquer um dos quatro nucleotídeos trifosfatados (isso porque a geometria dos pares de bases A:T e C:G são praticamente idênticas). Outra grande versatilidade dessas enzimas é a capacidade impressionante para distinguir entre ribonucleotídeos e desoxirribonucleotídeos. Na DNA-Polimerase, o sulco de ligação ao nucleotídeo é muito pequeno para permitir a presença de uma 2’-OH do nucleotídeo que será incorporado.
As DNA-Polimerases são altamente processivas, fato que torna a catálise da replicação algo muito rápido. O grau de processividade é definido como o número médio de nucleotídeos adicionados cada vez que a enzima se liga à junção iniciador na fita molde. Fala-se em 50.000 bases adicionadas por evento de ligação. A justificativa para tal eficiência está na associação que a DNA- Pol δ faz com as proteínas em forma de argola chamadas de grampos deslizantes. Esses grampos, que são adicionados enzimaticamente, mantêm a Pol δ sempre próxima do DNA evitando assim com que ela se afaste durante a replicação.
VI – DNA-Polimerases
Em procariontes existem cinco tipos diferentes de DNA-Polimerase:
Tipos de DNA-Polimerases
|
Função
|
Pol
I
|
Remoção
de primer
|
Pol
II
|
Reparo
do DNA
|
Pol
III
|
Replicação
cromossômica
|
Pol
IV
|
Reparo
e síntese transleção (TLS)
|
Pol
V
|
Síntese
transleção (TLS)*
|
RNAse removendo primers |
Ao contrário da maioria das enzimas que possuem um sítio ativo dedicado a uma única reação, a DNA-Polimerase utiliza um único sítio ativo para catalisar a adição de qualquer um dos quatro nucleotídeos trifosfatados (isso porque a geometria dos pares de bases A:T e C:G são praticamente idênticas). Outra grande versatilidade dessas enzimas é a capacidade impressionante para distinguir entre ribonucleotídeos e desoxirribonucleotídeos. Na DNA-Polimerase, o sulco de ligação ao nucleotídeo é muito pequeno para permitir a presença de uma 2’-OH do nucleotídeo que será incorporado.
As DNA-Polimerases são altamente processivas, fato que torna a catálise da replicação algo muito rápido. O grau de processividade é definido como o número médio de nucleotídeos adicionados cada vez que a enzima se liga à junção iniciador na fita molde. Fala-se em 50.000 bases adicionadas por evento de ligação. A justificativa para tal eficiência está na associação que a DNA- Pol δ faz com as proteínas em forma de argola chamadas de grampos deslizantes. Esses grampos, que são adicionados enzimaticamente, mantêm a Pol δ sempre próxima do DNA evitando assim com que ela se afaste durante a replicação.
As DNA-Polimerases se assemelham a uma
mão (com palma, polegar e dedos) que
segura a junção iniciador-molde. O domínio da palma é composto por uma estrutura em folha β e contém dois íons
metálicos (Mg+2 ou Zn+2), um deles arranca o “H” do grupo
3’-OH existente, criando 3’-O‑ nucleofílico que irá atacar o
α-fosfato, o outro interage temporariamente com os três fosfatos do nucleotídeo que está sendo incorporado
neutralizando suas cargas negativas. Tais alterações químicas são
indispensáveis para a ocorrência da ligação fosfodiéster. Durante a
incorporação de um novo nucleotídeo, primeiro ocorre o pareamento correto entre
os pares de bases e somente depois a ligação fosfodiéster acontece. Após o
pareamento correto de bases, o domínio dos dedos
sofre uma torção fechando a mão da polimerase, aproximando com isso o novo
nucleotídeo que está sendo adicionado aos íons metálicos. O domínio do polegar serve para manter a posição
correta entre o iniciador e o sítio ativo, bem como também para fixar a enzima
a seu substrato.
Além de catalisar a polimerização do DNA, uma
outra versatilidade das DNA-polimerases é de poderem atuar no mecanismo de
reparo, removendo os nucleotídeos que estão incorretamente pareados e com isso
mantendo as taxas de mutações relativamente baixas. As que clivam o DNA a
partir da extremidade 3’ são chamadas genericamente de exonucleases e as que
clivam no meio da fita do DNA são ditas endonucleases.
A estrutura de um grampo deslizante de DNA |
A DNA-polimerase "prende" o molde e o nucleotídeo que será incorporado quando um par correto é formado |
A FORQUILHA DE
REPLICAÇÃO
A junção entre as duas fitas molde
recém-separadas e o dúplex de DNA não replicado é conhecida como forquilha de
replicação. A natureza antiparalela do DNA faz com que uma das fitas seja
replicada de forma contínua à medida que a forquilha de replicação se movimenta
(fita líder ou leading strand). A
outra fita de sentido oposto (fita tardia ou lagging strand) é replicada de forma descontínua, por meio de
trechos que variam de 1000 a 2000 nucleotídeos de comprimento nas bactérias, e
de 100 a 400 nucleotídeos nos eucariontes. Tais trechos são chamados de
fragmentos de Okasaki.
A combinação de todas as proteínas que atuam na forquilha de replicação
é denominada replissomo. Juntas, essas proteínas formam uma maquinaria
precisamente ajustada à síntese de DNA que contém várias máquinas interagindo
entre si. Individualmente, essas máquinas desempenham funções específicas
importantes. Quando combinadas, suas atividades são coordenadas pelas
interações entre elas. Um bom exemplo é revelado quando a DNA-Polimerase
interage com a DNA-Helicase que por sua vez recruta a primase para a origem da
replicação.
Para evitar a rápida reiniciação de
uma nova replicação (em cada ciclo de divisão celular existe apenas um ciclo de
iniciação da replicação) um mecanismo de alteração no estado de metilação do
DNA antes e depois da replicação é acionado. Antes da replicação ambas as fitas
do DNA estão metiladas favorecendo a incorporação da proteína iniciadora, porém,
com a abertura da bolha de replicação ocorre a conversão para um estado
hemimetilado (apenas uma das duas fitas fica metilada) e com isso a proteína
iniciadora é impedida temporariamente de reiniciar a replicação a partir das
duas cópias de origem recém-sintetizadas.
Agora imagine que uma base
nitrogenada do DNA de uma bactéria fosse do tamanho de um livro, nessa escala,
o DNA de fita dupla teria um metro de diâmetro e o genoma completo desse
procarionte daria um círculo de 800 km de circunferência. O replissomo
(complexo enzimático da replicação) seria do tamanho de uma caminhonete
Frontier-Nissan e estando se deslocando a mais de 600 km por hora! A replicação
do genoma inteiro levaria 40 minutos, uma viagem de 400 km para as duas
caminhonetes, cada uma formando um rastro com dois cabos de DNA de 1 metro de
diâmetro atrás de si. O mais impressionante disso tudo é que durante essa
viagem a maquinaria de replicação iria, em média, cometer um único erro.
REFERÊNCIA
1 WATSON, J.D. et al. Biologia
molecular do gene. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
*Biólogo, especialista em Genética & Evolução
pela UFPI.