Os chimpanzés, gorilas e orangotangos possuem 24
pares de cromossomos enquanto nós humanos temos apenas 23, ou seja, entre os
primatas, nós somos a exceção. As evidências citogenéticas apoiam a ideia de
que dois cromossomos de macaco se uniram em nós. O cromossomo 2, o segundo
maior cromossomo humano, é de fato formado pela fusão telomérica dos
cromossomos acrocêntricos 2A e 2B do chimpanzé como revela o padrão de faixas
claras e escuras do bandeamento G dos respectivos cromossomos.1
Análises
genéticas confirmam a hipótese de fusão, mostrando que no meio do nosso
cromossomo 2 há regiões de DNA que correspondem aos centrômeros e aos telômeros
dos cromossomos do chimpanzé.2
Sem contar a fusão do cromossomo 2, diferenças
visíveis entre cromossomos de chimpanzés e humanos são poucas e minúsculas. Em
13 cromossomos não há diferenças visíveis de qualquer tipo.3Se
você selecionar qualquer “parágrafo” aleatoriamente no genoma do chimpanzé e
compará-lo com um “parágrafo” correspondente no genoma humano, descobrirá que
muito poucas “letras” são diferentes: em média, menos de duas em cem. Somos,
com uma aproximação de 98%, chimpanzés, e eles são, com uma margem de segurança
de 98%, seres humanos.4
Como pode ser? As
diferenças entre mim e um chimpanzé são imensas. Ele é peludo, tem uma cabeça
de formato diferente, um corpo de formato diferente, membros diferentes, produz
sons diferentes. Nada nos chimpanzés parece ser 98% parecido comigo. Ah, é
mesmo? Comparado com o quê?
Se você pegasse dois camundongos de massa de
modelar e tentasse transformar um deles em um chimpanzé e o outro em um ser
humano, quase todas as mudanças que você teria de fazer seriam as mesmas. Se
você pegasse duas amebas de massa de modelar e transformasse uma em um
chimpanzé e a outra em um ser humano, quase todas as modificações que você
teria fazer seriam as mesmas. Ambos precisariam de 32 dentes, cinco dedos, dois
olhos, quatro membros e um fígado. Ambos precisariam de pelos, pele seca, uma
coluna vertebral e três pequenos ossículos no ouvido médio. Não há nenhum osso
no corpo de um chimpanzé que eu não tenha também. Não há nenhuma substância
química conhecida no cérebro do chimpanzé que não possa ser encontrada no
cérebro humano. Não há nenhuma parte conhecida do sistema imunológico, do
sistema digestivo, do sistema vascular, do sistema linfático ou do sistema
nervoso que nós tenhamos e o chimpanzé não, ou o contrário.4
Isso me faz imaginar que em algum lugar no passado, um pequeno grupo de indivíduos do “elo perdido” – ancestrais que temos em comum com os chimpanzés – ficaram isolados em uma “ilha”, praticando endogamia e a mercê dos efeitos da deriva genética, compartilharam uma grande mutação: dois de seus cromossomos se fundiram. Daí em diante, eles podiam procriar somente com sua própria espécie, mesmo depois que a “ilha” ligou-se novamente ao “continente”, pois os híbridos entre eles e seus primos continentais eram estéreis. De lá para cá podemos ficar dando voltas em torno de justificativas reconfortantes, provando como viemos a ser o que somos. O fato é que em torno de 2% do genoma reside a história da diferença entre a nossa evolução social e ecológica e a dos chimpanzés, e da deles para a nossa. Tais informações têm consequências importantes, afinal convivemos com uma série de verdades biológicas desagradáveis, sendo que a morte é a mais inegável delas.
As diferenças entre seres humanos e chimpanzés são diferenças genéticas, e praticamente nada mais. As diferenças genéticas que nos tornam humanos, no entanto, se encontram nas regiões reguladoras que controlam quando, onde e em que quantidade cada proteína é produzida. Acrescente-se o fato de que existem 7 regiões no genoma humano que parecem ter sido “turbinadas” pela seleção natural ou seja, elas passaram inteiras através das gerações por conferirem alguma vantagem a seus portadores. Em uma dessas regiões, reside o gene FoxP2, que está fortemente associado à linguagem.5
Isso me faz imaginar que em algum lugar no passado, um pequeno grupo de indivíduos do “elo perdido” – ancestrais que temos em comum com os chimpanzés – ficaram isolados em uma “ilha”, praticando endogamia e a mercê dos efeitos da deriva genética, compartilharam uma grande mutação: dois de seus cromossomos se fundiram. Daí em diante, eles podiam procriar somente com sua própria espécie, mesmo depois que a “ilha” ligou-se novamente ao “continente”, pois os híbridos entre eles e seus primos continentais eram estéreis. De lá para cá podemos ficar dando voltas em torno de justificativas reconfortantes, provando como viemos a ser o que somos. O fato é que em torno de 2% do genoma reside a história da diferença entre a nossa evolução social e ecológica e a dos chimpanzés, e da deles para a nossa. Tais informações têm consequências importantes, afinal convivemos com uma série de verdades biológicas desagradáveis, sendo que a morte é a mais inegável delas.
Nós
humanos, possuímos mecanismos sofisticados de regulação gênica para produzir os
diversos padrões de expressão gênica. Em outras palavras, a complexidade do
organismo não está correlacionada com o número de genes, mas depende do número
de padrões de expressão gênica. Considere o seguinte argumento.
O
verme nematódeo Caenorhabditi elegans,
tem aproximadamente 20.000 genes, enquanto a mosca-das-frutas, Drosophila melanogaster, tem
significativamente menos genes, menos de 14.000. Apesar disso, as
moscas-das-frutas exibem uma variedade de morfologias e de comportamentos bem
mais sofisticada do que a observada nos vermes. Essa complexidade aumentada
poderia resultar de um aumento no número de padrões de expressão gênica. Por
exemplo, um gene médio da mosca poderia ser regulado por três ou quatro
reforçadores diferentes que, juntos, produzem um total de cerca de 50.000
padrões de expressão gênica. Em contraste, cada gene do verme, provavelmente é
regulado por apenas um ou dois reforçadores. Em consequência, o verme poderia
ser formado por um total aproximado de 30.000 padrões de expressão gênica –
significativamente menor do que o número de padrões produzidos nas moscas,
ainda que o verme tenha mais genes.5 As diferenças entre seres humanos e chimpanzés são diferenças genéticas, e praticamente nada mais. As diferenças genéticas que nos tornam humanos, no entanto, se encontram nas regiões reguladoras que controlam quando, onde e em que quantidade cada proteína é produzida. Acrescente-se o fato de que existem 7 regiões no genoma humano que parecem ter sido “turbinadas” pela seleção natural ou seja, elas passaram inteiras através das gerações por conferirem alguma vantagem a seus portadores. Em uma dessas regiões, reside o gene FoxP2, que está fortemente associado à linguagem.5
Se
é difícil imaginar como pequenas diferenças nas instruções lineares digitais
podem ser responsáveis pelos 2% de diferença entre um corpo humano e um corpo
de chimpanzé, que enorme dificuldade é imaginar que umas poucas mudanças nas
mesmas instruções podem alterar também o comportamento. Como pode um punhado de
genes tornar um animal polígamo ou monógamo? Resposta: não tenho a menor ideia,
mas que pode fazê-lo não tenho a menor dúvida. Os genes são receitas tanto para
anatomia como para o comportamento.
REFERÊNCIAS
1 GUERRA, M. S. Introdução
à citogenética geral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
2 HILLIER, L.W. et al. Generation and annotation of the DNA sequences of human chromosomes 2
and 4. Nature, vol.434, p.724-31, 2005.
3 WATSON, J.D.
& BERRY, A., - DNA
- O Segredo da Vida, 1.ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.
4
RIDLEY, M. Genoma: a autobiografia de uma espécie em 23
capítulos. Rio
de Janeiro: Record, 2001.
5 WATSON, J.D. et al. Biologia
molecular do gene. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
6 FREEMAN, S. & HERRON, J.C. Análise evolutiva. 4. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2009.
*Biólogo, especialista em Genética & Evolução
pela UFPI.