Resumo
O livro didático é uma importante
ferramenta no processo de aprendizagem, pois trata das temáticas relativas aos
programas que deverão ser lecionados, servindo assim de orientação e estímulo
para o nível de escolaridade a que se destina. O avanço da tecnologia tem
amplificado o volume de informações e contribuído para uma melhor interpretação
dos fenômenos já conhecidos, isso faz necessário uma constante atualização do
livro-texto.
Esse
trabalho teve o objetivo de avaliar o progresso do conjunto de conhecimentos de
Genética e Evolução que vem sendo apresentado aos estudantes do Ensino Médio no
livro didático da professora Doutora Sônia Lopes e, ao mesmo tempo, verificar
como as grandes descobertas relativas a tais tópicos têm ocupado espaço nesses
livros desde a sua primeira edição em 1985, até a sua quinta e mais recente
edição de 2006. Procurou-se nessa análise verificar o conteúdo de cada
edição quanto aos seguintes aspectos: contextualidade, nível de atualização,
evolução gráfica (tabelas, ilustrações, esquemas, mídia) e a presença de
tópicos que propiciassem uma discussão dos aspectos éticos ligados aos avanços
da Genética e Evolução.
A
análise dos resultados mostrou que ocorreu uma grande disparidade entre os
conhecimentos adquiridos pela biologia desde 1970 e o avanço letárgico dessas
informações nos livros de ensino médio. Esse estudo poderá auxiliar numa
reestruturação do ensino de Genética e Evolução no sentido de torná-lo mais
reflexivo através de uma abordagem sempre atualizada, dinâmica e
interdisciplinar, contribuindo para o entendimento da realidade à sua volta,
possibilitando aos jovens estudantes utilizar esses conhecimentos diante de
situações do cotidiano.
Palavras-Chave:
Genética,
Evolução, Ensino e educação, Biotecnologia, Livro-texto
Abstract
The didactic book is an important
tool in the process on learning, because it responsible to the thematic
relative to the programs that must be selected, in the intension to guide and
stimulate the level of schooling in which it is destined. The advance of
technology has amplified the amount of information and contributed to a better
interpretation of the phenomena already known, so it has been necessary a
constant actualization of the text book.
This
work had the objective to evaluate the progress of the set of knowledge of
Genetic and Evolution that has been presented to the students of high school in
the didactic book of professor doctor Sônia Lopes and, at the same time, verify
how the great discoveries related to such topics have occupied space in these
books since its first edition in 1985, until its fifth and also more recent
edition in 2006. In
this analysis, it was verified the subjects of each edition in such aspects:
contextualization, level of actualization, graphic evolution (table,
illustrations, schemes, and media) and the presence of topics which propitiate
a discussion of ethics aspects related to the advances of Genetic and
Evolution.
The
analyze of the results showed that occurred a very big disparity among the
acquired knowledge by biology since 1970 and the lethargic advance of these
information in the books to high school. This study can contribute to a rebuild
in the teaching of Genetic and Evolution on the way to get it more reflexive
through an approach always actualized, dynamic and interdisciplinary,
aiding to the comprehension of the
reality around it, making possible to
the young students utilize these knowledge in the current situations.
Key-words:
Genetic, Evolution, Teaching and
learning, Biotechnology, Text book.
*Biólogos e concludentes do
curso de pós-graduação lato sensu em
Genética e Evolução com ênfase em docência superior pela Universidade Federal
do Piauí (UFPI).
**Físico e pedagogo, mestre
em educação e professor de didática e metodologia da pesquisa na Universidade
Federal do Piauí (UFPI).
[.....] Mais do que fornecer informações, é fundamental que o ensino de
Biologia se volte ao desenvolvimento de competências que permitam ao aluno
lidar com as informações, compreendê-las, elaborá-las, refutá-las, quando for o
caso, enfim compreender o mundo e nele agir com autonomia, fazendo uso dos
conhecimentos adquiridos da Biologia e da tecnologia.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (ENSINO
MÉDIO)
Ciências da Natureza
- p. 19, 1998
1. A importância do livro didático no ensino
O livro didático é um importante
instrumento de orientação para os professores, seja no planejamento das
atividades escolares, ou na elaboração das aulas. Massabni e Arruda (2000)
afirmam que muitos professores tomam o conhecimento científico neles contido
como padrão do que devem ensinar a seus alunos. Tal afirmativa não deixa de ser
verdade uma vez que o livro é na grande maioria das vezes a única ferramenta
utilizada na preparação dos conteúdos. Por isso é de total relevância que o
professor tenha uma qualificação e um amplo conhecimento da área em que
leciona, pois só assim poderá ter uma visão crítica do conteúdo abordado no
livro-texto adotado. Como muitos professores de ensino médio iniciam suas
carreiras sem terem a graduação, não sabem o que devem ensinar aos alunos e o
livro didático acaba sendo à base desse ensino.
Com os adventos da tecnologia, o
livro didático tem passado por profundas modificações. A necessidade da
atualização das informações como, por exemplo, a introdução de novos dados aos
conteúdos das obras, fez com que as editoras especializadas no setor
desenvolvessem projetos gráficos arrojados, tornando o livro mais atraente. Em
virtude disso, o livro-texto acaba também por se tornar um fator de motivação
para professores e alunos.
Para Lajolo e Zilberman (1999),
entretanto, apesar de ilustre, o livro didático é o primo pobre da literatura,
texto para ler e botar fora, descartável porque anacrônico: ou ele fica
superado dados os progressos da ciência a que se refere ou o estudante o
abandona, por avançar em sua educação. Sua história é das mais esquecidas e
minimizadas, talvez porque os livros didáticos não são conservados, suplantado
seu "prazo de validade”. A cada nova edição, tenham ocorrido grandes
reformulações ou não, o livro didático com uma “nova capa” desvaloriza a edição
anterior. Isso o torna no primo rico das editoras, na medida em que se
transforma em um bem de consumo, "um produto típico da indústria cultural,
um produto destinado ao consumo que editores e autores têm interesse em
comercializar, uma mercadoria entre outras que circula pelo mercado e produz
lucro, muito lucro" (apud Bittencourt, op. cit., p. 77).
2. Ensino de genética e evolução no livro didático
2. Ensino de genética e evolução no livro didático
O ensino de genética na escola básica
brasileira tem se caracterizado pela ênfase aos fenômenos mendelianos simples e
pela repetição de conceitos e exemplos clássicos da hereditariedade. É notória
a fragilidade da abordagem de aspectos da genética humana, das aplicações do
conhecimento sobre a estrutura e ação gênicas e das biotecnologias vegetais e
animais. Vale ressaltar que nenhuma ciência evoluiu tanto nos últimos 50 anos
quanto à genética nos seus vários setores. Paradoxalmente, no ensino médio, a
genética não tem acompanhado esse avanço e os livros mostram-se, claramente,
desconectados dos novos grandes temas da área. Há uma uniformidade marcante no
ensino da genética que resiste tanto ao tipo de escola (pública ou privada),
quanto à região do país onde é ensinada. Há uma repetição de conteúdos
programáticos, de conceitos, problemas, refletidos nos diversos livros
didáticos. Não somente nas várias edições da autora em questão, como em edições
de autores diferentes, há uma quase inacreditável, coincidência dos conteúdos
tanto na sua composição quanto na sua organização. A forma canônica de uma
genética clássica é clonada e adotada pelos mais diversos autores tornando o
ensino de genética algo previsível. O enfoque, os exemplos adotados, torna os
discursos dos professores uma espécie de “cantochão” didático.
Em qualquer
canto do país os jovens são apresentados aos seguintes temas, quase sempre,
nessa ordem:
- Primeiras ideias
sobre hereditariedade: Aqui são apresentadas teorias vitalistas e
pré-formacionistas da hereditariedade;
- As ervilhas de
Mendel: apesar da importância do método científico adotado pelo “pai da
Genética”, essa abordagem é apresentada de forma demorada dentro dos livros
contribuindo para consolidar uma visão mecanicista e puramente estatística da
Genética.
- Cruzamentos e
probabilidades: quase todos os tipos de cruzamentos apresentados são frutos de
trabalhos publicados nas primeiras décadas do Séc. XX. Os ratos de Cuenot, as
galinhas de Bateson, as moscas de Morgan e a macaca Rhesus de Landsteiner só para citar alguns exemplos da série de
outros tantos que se repetem ano após ano.
As informações referentes ao ensino
de evolução praticamente não evoluíram. Tratada pelos livros didáticos como
sendo mais um tópico no rol dos conteúdos da biologia, não se evidencia a
evolução como eixo integrador que envolve todas as áreas da biodiversidade como
se destina. Assim como no ensino de genética, a evolução tem sido abordada de
maneira repetitiva dando ênfase as evidências evolutivas (homologias,
analogias, fósseis, órgãos vestigiais...), as teorias evolutivas e aos
mecanismos da especiação. Não que tais temas sejam irrelevantes, porém a forma
como são abordados utilizando-se dos mesmos exemplos (pescoço das girafas, bico
dos tentilhões, burro como um híbrido estéril resultante do cruzamento entre o
jumento e a égua e tantos outros), revela a defasagem no material didático.
Talvez estes problemas contribuam para o fato de determinados conhecimentos
científicos não se apresentarem nas escolas como o esperado.
“Nada tem sentido em biologia, exceto à luz da
evolução” já dizia Dobzhansky. Utilizar os conhecimentos evolutivos para a
classificação dos seres aplicando os princípios da escola cladística, aplicar
noções de deriva continental e tectônica de placas para a compreensão da
vicariância, realizar conexão entre os mecanismos da genética para a especiação
de cada grande grupo de seres vivos, seriam apenas algumas indicações que
poderiam remover as ideias errôneas que muitos professores e alunos possuem da ideia
de evolução associada ao progresso e de adaptação ligada à ideia de melhoria. "A
visão de evolução que predomina nas escolas é a de um processo lento, resultado
do acúmulo progressivo de mudanças aleatórias vantajosas em seu material
genético, que são selecionadas pelo processo da seleção natural. Outras visões,
como a Teoria do Equilíbrio Pontuado, de Stephen Jay Gould, e as evidências do
Neutralismo, praticamente não aparecem nos livros escolares" (Dorvillé
2005).
3. Vinte e dois anos de ensino de genética e
evolução
O conteúdo de Genética apresentado está relacionado direta ou
indiretamente com a Genética Mendeliana. Somente no final do programa
apresentado é que a autora trás uma unidade (3º unidade) revelando o modo de
ação do material genético. Nesta, são apresentados os experimentos de Beadle e
Tatum (Gene/Enzima), o código genético e o mecanismo de expressão gênica. Tal
apresentação foi bastante salutar, uma vez que proporciona ao aluno uma melhor
compreensão do conceito de gene.
Com esta 3ª edição, a coleção “BIO – 3” começa realmente a passar por
significativas reformulações, havendo uma redução de tamanho e passando a ser
totalmente colorido. Nesta, é introduzido no final da maioria dos capítulos um
“tema para discussão”. Embora dos doze temas propostos, seis sejam uma mera
repetição do item “Leitura complementar” da edição anterior, isso já revela uma
considerável modificação, uma vez que os temas inéditos tratam de assuntos que
circulavam constantemente nos meios de comunicação na época do lançamento
(Projeto Genoma Humano, Mapeamento genético e Dilemas bioéticos). Também faz
parte das inovações, o surgimento de um capítulo inteiro destinado à
biotecnologia e a engenharia genética (capítulo 13 – anexo). Ora, a pauta dos
principais noticiários é pontuada completamente por assuntos ligados a essas
biotecnologias e assim, não seria concebível a continuidade da omissão dessas
questões por parte da autora.
Alegando relacionar o conteúdo do dia-a-dia do aluno com a teoria exposta
na obra, a professora Sônia Lopes apresenta esta 4ª edição com muitas inovações
gráficas e teóricas. Muito bem diagramado e ricamente ilustrado, onde as
fotografias da abertura de cada capítulo dão um requinte estimulante à leitura,
fazem desta obra a mais didática das edições, sendo um “embrião” do grau máximo
de perfeição gráfica que estará por vir no próximo lançamento.
Mediante as transformações ocorridas
na edição anterior, estimava-se que neste lançamento de 2006 a continuidade da
evolução do projeto gráfico fosse acompanhada de atualizações teóricas
significativas, mais não! Comparando essas duas últimas edições percebe-se que
as alterações foram bem marcantes no aspecto gráfico – tipo de papel, dimensões,
fotografias, tabelas, visualização – e bastante insignificantes no contexto
teórico. As inovações ficaram por conta do acompanhamento de um CD-ROM com
diversas atividades, da introdução da seção “Aplique o que aprendeu” nos
exercícios, dos textos de abertura de cada unidade (Por que estudar...?) e de
pequenas modificações ao longo do texto principal.
Tradicionalmente a genética era estudada na 2ª série do ensino
médio, porém, nos últimos anos com a implantação de vestibulares seriados seu
conteúdo passou a ser ministrado na 3ª série. A carga horária semanal varia de
escola para escola nas redes públicas e privadas, e é bastante comum na 3ª
série rever concomitantemente os assuntos das séries anteriores em função dos
vestibulares. Além de genética e evolução, o professor que ministrar esta
“frente” normalmente encerra os trabalhos com o assunto de ecologia, pois este
é um tema global e unificador de todos os tópicos do programa do ensino médio.
Então a sequência tradicional do ensino fica sendo: Genética - Evolução - Ecologia.
A coleção didática da professora
Sônia Lopes pesquisada nesse trabalho, trás um de seus compêndios com os temas
de Genética, Evolução e Ecologia desde a 1ª edição até a mais recente, lançada
e utilizada por muitas escolas no Brasil. Após o lançamento das edições, o
livro foi utilizado em sala de aula nos seguintes anos:
·
1ª Edição (1985) – Livro verde: 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91 e 92.
·
2ª Edição (1992) – Bio 3: 93, 94, 95, 96 e 97.
·
3ª Edição (1997) – Bio 3: 98, 99, 00, 01 e 02.
·
4ª Edição (2002) – Bio 3: 03, 04, 05 e 06.
·
5ª Edição (2006) – Bio 3: 2007.
Livro verde BIO Volume 3. / Sônia Lopes – São Paulo: 1ª ed. Ática,
1985.
1ª edição - 1985 |
A grande falha observada por esta
pesquisa foi a de não ter aparecido e nem se quer mencionado em nenhum momento,
a tecnologia do DNA recombinante, pois até 1985, ano de publicação desta
edição, a biotecnologia já era uma realidade social. Muitos outros fatos
importantes relacionados à Genética, principalmente aqueles vinculados a
natureza química do gene poderiam ter constado na obra. É bom lembrarmos que os
Prêmios Nobel de Medicina e Fisiologia de 1978, 1980 e 1983 estão relacionados
com a Genética molecular, e discutir os impactos que tais tecnologias poderiam
trazer para a sociedade seria de grande relevância para os jovens estudantes.
O conteúdo de Evolução é apresentado
de forma clássica e histórica não atingindo os objetivos a que se destina.
Nesta edição, não fica evidenciado a conexão entre os demais assuntos da
biologia que é um dos principais objetivos do ensino de Evolução. Apesar dos
trabalhos de Henning serem conhecidos desde 1966, a sistemática
filogenética não é mencionada nem a importância da Evolução em tal mecanismo.
Dentro dos conceitos de populações e espécies (parte II, capítulo 3), a autora
revela noções da escola Lineana e afirma que até hoje esse sistema de
classificação puramente tipológico é utilizado!
A autora Sônia Lopes não contempla na
1ª edição nenhum aspecto relacionado à Evolução humana e não levanta qualquer
questionamento de especiação por anagênese e cladogênese. No estudo das
mutações (capítulo 4), poderia ter sido citado exemplos em cada um dos casos,
facilitando assim a compreensão.
A ausência total de propostas que
possam transportar o aluno de um cenário meramente científico para um contexto
em que estão envolvidos vários aspectos da Genética e da Evolução biológica, é
notória do início ao fim desta primeira edição.
Livro BIO Volume 3. / Sônia Lopes – São Paulo: 2ª ed. Ática, 1992.
“Após vários anos de seu lançamento, a
coleção BIO foi agora totalmente reformulada. [...] O conteúdo foi atualizado
de modo a contemplar o crescente desenvolvimento da área biológica, um dos
campos do conhecimento que mais tem ampliado suas fronteiras atualmente”.
No entanto, o que se observa no cerne
da obra é que foram mantidos os mesmos tópicos, mesmos conceitos, mesmos
exemplos e praticamente os mesmos problemas. O que houve na realidade foi uma
supressão da edição anterior com a eliminação de muitos tópicos (noções de
citologia, probabilidade de muitos eventos independentes, regulação da
atividade gênica e noções de sistemática).
Até o ano de lançamento desta edição
(1992), a genética e a evolução juntamente com a biologia molecular,
desfrutavam de um status
impressionante. Os progressos no campo do sequenciamento de genes, da produção
de proteínas humanas de valor terapêutico, da reprodução medicamente assistida,
do melhoramento genético animal e vegetal e da transgenia foram fartamente
propagados e já eram assuntos que começavam a fazer parte do repertório
coletivo. Porém o que se observa é que o ensino de Genética e Evolução no
livro-texto se demonstrava totalmente desconectado das grandes transformações
que ocorriam no mundo que eram noticiadas diariamente nos meios de comunicação.
Assim como a ausência da
biotecnologia, na parte referente ao conteúdo de Evolução, continua não
constando à evolução humana. Na pesquisa foi encontrado um erro, onde o
favorecimento das pessoas heterozigóticas para o alelo da anemia falciforme em
regiões onde a malária é endêmica, é citado como sendo um tipo de seleção
disruptiva. A autora ainda comete um equívoco na página 21 – Leitura
complementar: A difração de raios X e a estrutura da molécula de DNA – onde é
afirmado que Rosalind Franklin compartilhou o Prêmio Nobel de 1962 com Watson e
Crick. Na realidade o prêmio foi partilhado com Maurice Wilkins, pois Rosalind
morrera em 16 de abril de 1958, vitimada de câncer de mama.
Livro BIO Volume 3. / Sônia Lopes – São Paulo: 3ª ed. Ática, 1997.
3ª edição - 1997 |
A Evolução Humana aparece como um
tópico dentro do capítulo de especiação. Sob a capa de que tal assunto gera
muita discussão entre os biólogos, a autora limita-se apenas a sistemática, com
uma abordagem dos Primatas, Hominídeos e do Homo
sapiens, o que não deixa de ser um grande salto, pois tal assunto é
totalmente ausente nas edições anteriores. O erro da edição anterior sobre a
anemia falciforme foi devidamente corrigido e o equívoco do Nobel de 62 foi
negligenciado! A essência do conteúdo de evolução foi mantida, porém noções de
deriva continental foram pertinentemente mencionadas na página 236, ainda que
de maneira bem simplificada.
Infelizmente os exemplos de fenômenos
hereditários (codominância, polialelia, interações gênicas, linkage, genética
do sexo...) continuam sendo os mesmos das edições anteriores nos quais aparecem
os mesmos organismos-modelo (ervilhas, moscas, coelhos e galinhas) das
experiências conduzidas entre o final do século XIX e as primeiras décadas do
século XX. A utilização de exemplos envolvendo seres humanos ou plantas e
animais de maior interesse é quase desprezível.
Livro BIO Volume 3. / Sônia Lopes – São Paulo: 4ª ed. Ática, 2002.
4ª edição -2002 |
Ao final de cada capítulo, foi
introduzido um roteiro de estudo, um tema para discussão, testes e questões
discursivas. No final da obra constam como anexo, uma tabela de atualização de
nomenclatura, um índice remissivo, uma bibliografia mais ampla e o significado
das siglas de instituições responsáveis pelos vestibulares de onde foram
retiradas as questões para os exercícios.
No cerne da obra vale ressaltar que
foram feitas atualizações em função da revelação do genoma humano, como por
exemplo, o número estimado de genes, que na edição anterior fala-se em 100 mil
genes e agora em cerca de 40 mil. DNA codificante, não codificante, íntrons, éxons,
DNA-lixo, eletroforese, proteoma e PCR são mencionados também. A clonagem e as
vacinas gênicas ganharam tópicos individuais dentro do capítulo de
Biotecnologia, que por sinal é o grande destaque inovador quando comparado com
os demais capítulos.
A possível explicação para uma
mudança tão considerável nessa última edição baseia-se na escalada e difusão
das descobertas dos últimos anos no tocante a clonagem de mamíferos, final do sequenciamento
do genoma humano, comercialização de transgênicos, manipulação de embriões e de
células-tronco, a popularização dos testes de DNA e todo um leque de estudos
gênicos que prometem revolucionar a medicina, a zootecnia e a agricultura.
Apesar da estrutura sequencial sobre
o conteúdo de Evolução ter sido mantida, os transposons, retrotransposons e a
seleção sexual ganharam espaço. No capítulo de especiação a autora finalmente
introduz conceitos que são indispensáveis na compreensão do mecanismo
evolutivo: gradualismo x equilíbrio pontuado; anagênese x cladogênese. A
evolução humana ganhou mais espaço e uma ênfase maior, com informações sobre as
possíveis rotas migratórias promovidas pelo Homo
sapiens e a evolução da cultura.
Livro
BIO Volume 3. / Sônia Lopes – São Paulo: 5ª ed. Ática, 2006.
5ª edição -2006 |
Os quatro anos que separam os
lançamentos dessas duas obras foram marcados por intensos debates Bioéticos. A
lei de biossegurança e a manipulação de organismos geneticamente modificados,
bem como a utilização das células-tronco embrionárias, pairaram na mídia quase
que diariamente. Mesmo levando em consideração que a essência da obra deve ser
mantida, não parece ser justificável a inércia do ensino de genética, a não
atualização, a não contextualização do seu programa e não inclusão de uma
abordagem das questões éticas, legais e sociais que afloram dessas novas
pesquisas. Também seria salutar lembrarmos a total falta de informação sobre a
genética do desenvolvimento e o processo de morte celular programada, que
também foram bem alardeados nos meios de divulgação científica durante este
período.
Na parte destinada ao ensino de
Evolução as mudanças praticamente não ocorreram. Nada de novo ao texto foi
acrescentado – será que não tivemos
evolução? – no entanto as modificações no texto ocorreram em termos
organizacionais, ou seja, a genética de populações foi extraída do capítulo da
teoria sintética e acrescentada ao estudo da especiação. Sobre a evolução
humana tudo foi mantido como na edição anterior.
O livro didático é o primeiro e
provavelmente o mais acessível veículo de mudança. O conteúdo de um livro didático
deve ser elaborado no sentido de provocar professores e alunos para o debate
das novas questões que a biologia apresenta. Para isso o boxe “Tema para
discussão” deveria ser mais criterioso, estando voltado com temas sincronizados
com o capítulo que o precede.
4. Considerações
finais
O resultado da análise das cinco
edições da coleção BIO 3 da professora Sônia Lopes, leva à constatação de que
os livros didáticos de Genética e Evolução não incorporaram as novidades e
revoluções geradas por essas ciências no lançamento de cada edição. As
inovações tipográficas foram muito mais ordenadas que as informações teóricas,
pois estas, na grande maioria da obra, são repetitivas e chegam a ser
previsíveis. Se não fossem pelas mudanças nos exercícios e testes de
vestibulares, um aluno portando a 3ª edição acompanharia normalmente sua série
escolar ao lado daqueles que utilizassem a 5ª edição.
Os professores já demonstram
inquietação diante da demanda dos estudantes pelas descobertas da Genética e da
Evolução. Se os vestibulares são elaborados com base na literatura do aluno,
cabe aos autores e editores conciliarem as inovações com a realidade dos
estudantes. Temas como ciência, poder e injustiça, vulnerabilidade de
populações pobres diante das pesquisas genéticas, acesso a serviços de saúde,
direito à informação genética, direitos reprodutivos, desenvolvimento
ecologicamente sustentável, bem como o resgate de conceitos da ética e da moral
são plenamente cabíveis no universo da escola básica, desde que haja uma
adequação na forma de apresentar esses assuntos.
Que a última edição, com sua
excelente diagramação e perfeita sintonia didática, sirva de molde para
absorver as inovações que ainda foram omitidas ou as que ainda estão por vir. O
próximo passo, depois dessa renovação do livro didático, mantendo-se agora sim
sempre atualizado, seria a reformulação do currículo de Genética e Evolução. O
intuito seria de combinar essas novidades técnicas do livro-texto com enfoque
bioético, tendo como objetivo geral dessa combinação, o desenvolvimento da
percepção pública crítica das novas biotecnologias no contexto de um país com o
panorama socioeconômico e cultural como o nosso.
Por sermos professores de ensino
médio e utilizarmos essa prestigiada coleção desde seu primeiro lançamento,
sentimos a obrigação de realizar essa pesquisa com a intenção de despertar a
necessidade da conexão entre os avanços da Genética e Evolução e o ensino, por
meio do livro didático. Isso seria uma forma de não manter em atraso os nossos
jovens em relação aos estudantes dos países ricos que têm acesso em grande
proporção aos novos conceitos da genômica e das biotecnologias do DNA.
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SOARES, W. O Livro Didático e a Educação. http://www.abrelivros.org.br/abrelivros/texto
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Com Ciência. Revista eletrônica de jornalismo científico nº56, julho de 2004.
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(acessado em 06/07/2007).
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DNA: O segredo da vida. James D. Watson com Andrew Berry; Tradução Carlos
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Resumo Expandido
apresentado à Universidade Federal do Piauí – UFPI, pelos professores Lyndon
Johnson & Ricardo Duarte, como requisito para obtenção do grau de
Especialista no Ensino de Genética e Evolução com ênfase em Docência Superior
em 2007.